Do caso das Jaulas

Publicado: março 30, 2009 em Lutas Sociais

Do caso das jaulas

29 de Março de 2009  

Publicado em Passa Palavra

Em uma escola de Mogi das Cruzes, São Paulo, a luta conjunta de professores, alunos e comunidade consegue derrubar uma grade de ferro que era imposta pela diretoria do estabelecimento. Por Professor Anônimo.

 

 

prisao-escola[NR: este artigo foi escrito por um professor atuante em lutas sociais, envolvido no caso. Trata da luta dos professores, alunos e comunidade da Escola Estadual Dr. Washington Luís (a maior escola de Mogi das Cruzes – SP) contra as grades de ferro implantadas na escola. A luta foi vitoriosa, levando o estado a determinar que as grades fossem arrancadas, e abriu um debate público amplo na região, sobre o papel da escola pública e as políticas de encarceramento de estudantes. Esta escola, na qual lecionou o saudoso professor Maurício Tragtenberg por dois anos (na década de 70), foi palco de décadas de políticas repressoras, perseguições, delações de professores e alunos (durante o regime militar). Recentemente despontou um movimento social, sindical e estudantil mais forte, modificando esta feição. Os envolvidos na luta pedem a publicação anônima, devido à “Lei da Mordaça”, e a sofrer represálias. Segue o artigo. Passa Palavra.

Do caso das Jaulas

7b5f62f606-a55a-4e37-ac00-5f808bcd7e7e7d_escola_gradesAcontece que, numa cidade não muito distante da Capital do estado de São Paulo, alunos e professores, ao retornarem do período de recesso [férias], foram surpreendidos com a instalação de mais grades de ferro no interior de sua Unidade Escolar. Sob pretexto de isolar alunos de determinadas áreas do prédio (inclusive a biblioteca), os componentes da Diretoria executaram “na calada da noite” (sem a aprovação prévia do Conselho de Escola, composto por pais, alunos, professores e funcionários) esta veloz ação.

Uma certa repugnância encarcerou-se no lugar. Decerto, os tão “ilustres” idealizadores do projeto não esperavam este tipo de sentimento e a reação que estava por vir. Os pioneiros foram os professores, que protocolaram na secretaria da escola um abaixo-assinado (com sessenta assinaturas) solicitando a extração imediata das barreiras. Logo, esta vergonha chegou à mídia local.

Infelizmente, em virtude da “Lei da Mordaça” (proibição de que umescola-prisao-2 funcionário público critique a administração na imprensa, podendo ser processado e exonerado) que vigora nos setores públicos do estado de São Paulo, somado ao medo de possíveis represálias, vários educadores se manifestaram anonimamente em um jornal de grande circulação da cidade, que, por sua vez, decidiu comprar a briga [entrar na disputa]. Em exatos oito dias, os já citados componentes da Diretoria (e alguns funcionários e professores favoráveis a tais implementos arquitetônicos), por intermédio da imprensa escrita, fizeram um curso intensivo de Pedagogia e Humanidade. Além disso, dado o espectro do evento, alunos, Corpo de Bombeiros, Conselho Tutelar, Conselho Municipal de Educação (constituído por vereadores), pais de alunos da comunidade escolar, ex-estudantes e pensadores educacionais da região salientaram o despropósito de tal atitude, questionando os verdadeiros motivos que levaram o corpo administrativo a deslocar verbas públicas para fixação, sem laudo [parecer] técnico, daqueles dispositivos, sendo que essas verbas poderiam ser mais bem utilizadas, por exemplo, na melhoria das decadentes quadras de esporte [espaços para desporto] da instituição.

O “motim” tomou dimensões colossais. Os integrantes do sindicato dos professores (APEOESP) foram à escola mas foram impedidos de entrar pela diretora. A Delegada de Ensino da região não sabia da infeliz “novidade” e rapidamente restringiu-se ao silêncio. O jornal elencou as [apresentou a lista das] outras escolas estaduais do município que também utilizavam tão horrendos aparatos carcerários. Enfim, o estado anunciou oficialmente, através de seus órgãos superiores e “competentes”, a retirada das grades, abafando imediatamente o caso (antes que se propagasse). Seria inadmissível divulgar aos quatro ventos que a dinâmica da exclusão se reproduz em ambientes destinados à propagação do saber e à manutenção de valores tão dignos, como o da democracia. A paz voltou a reinar. No entanto, instaladas comodamente nos espíritos de alguns e soltas por outras “escolas perdidas”, as grades ainda perduram, encarcerando, com suas temíveis barras de ferro, os olhares insuspeitos de crianças e jovens, desde sempre incompreendidos.

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